sexta-feira, 25 de março de 2016

O QUE É SEXTA-FEIRA SANTA?

Ao beijar a Santa Cruz, podemos ter a plena certeza: Jesus não é simplesmente um mestre de como viver bem esta vida
Em todo o ano, existe somente um dia em que não se celebra a Santa Missa: a Sexta-Feira Santa. Ao invés da Missa temos uma celebração que se chama Funções da Sexta-feira da Paixão, que tem origem em uma tradição muito antiga da Igreja que já ocorria nos primeiros séculos, especialmente depois da inauguração da Basílica do Santo Sepulcro e do reencontro da Santa Cruz por parte de Santa Helena (ano 335 d.C.).
Esta celebração é dividida em três partes: a primeira é a leitura da Sagrada Escritura e a oração universal feita por todas as pessoas de todos os tempos; a segunda é a adoração da Santa Cruz e a terceira é a Comunhão Eucarística, juntas formam o memorial da Paixão e Morte de Nosso Senhor. Memorial não é apenas relembrar ou fazer memória dos fatos, é realmente celebrar agora, buscando fazer presente, atual, tudo aquilo que Deus realizou em outros tempos. Mergulhamos no tempo para nos encontrarmos com a graça de Deus no momento que operou a salvação e, ao retornarmos deste mergulho, a trazemos em nós.
Os cristãos peregrinos dos primeiros séculos a Jerusalém nos descrevem, através de seus diários que, em um certo momento desta celebração, a relíquia da Santa Cruz era exposta para adoração diante do Santo Sepulcro. Os cristãos, um a um, passavam diante dela reverenciando e beijando-a. Este momento é chamado de Adoração à Santa Cruz, que significa adorar a Jesus que foi pregado na cruz através do toque concreto que faziam naquele madeiro onde Jesus foi estendido e que foi banhado com seu sangue.
Em nosso mundo de hoje, falar da Adoração à Santa Cruz pode gerar confusão de significado, mas o que nós fazemos é venerar a Cruz e, enquanto a veneramos, temos nosso coração e nossa mente que ultrapassa aquele madeiro, ultrapassa o crufixo, ultrapassa mesmo o local onde estamos, até encontrar-se com Nosso Senhor pregado naquela cruz, dando a vida para nos salvar. Quando beijamos a cruz, não a beijamos por si mesma, a beijamos como quem beija o próprio rosto de Jesus, é a gratidão por tudo que Nosso Senhor realizou através da cruz. O mesmo gesto o padre realiza no início de cada Missa ao beijar o Altar. É um beijo que não pára ali, é beijar a face de Jesus. Por isso, não se adora o objeto. O objeto é um símbolo, ao reverênciá-lo mergulhamos em seu significado mais profundo, o fato que foi através da Cruz que fomos salvos.
Nós cristãos temos a consciência que Jesus não é apenas um personagem da história ou alguém enclausurado no passado acessível através da história somente. “Jesus está vivo!” Era o que gritava Pedro na manhã de Pentecostes e esse era o primeiro anúncio da Igreja. Jesus está vivo e atuante em nosso meio, a morte não O prendeu. A alegria de sabermos que, para além da dolorosa e pesada cruz colocada sobre os ombros de Jesus, arrastada por Ele em Jerusalém, na qual foi crucificado, que se torna o simbolo de sua presença e do amor de Deus, existe Vida, existe Ressurreição. Nossa vida pode se confundir com a cruz de Jesus em muitos momentos, mas diante dela temos a certeza que não estamos sós, que Jesus caminha conosco em nossa via sacra pessoal e, para além da dor, existe a salvação.
Ao beijar a Santa Cruz, podemos ter a plena certeza: Jesus não é simplesmente um mestre de como viver bem esta vida, como muitos se propõem, mas o Deus vivo e operante em nosso meio.

quinta-feira, 24 de março de 2016

Quinta-feira Santa - - Eucaristia: Sacramento do amor Por: Dom Eduardo Koaik Bispo Emérito de Piracicaba


A liturgia da Quinta-feira Santa nos fala do amor, com a cerimônia do Lava-pés, a proclamação do novo mandamento, a instituição do sacerdócio ministerial e a instituição da Eucaristia, em que Jesus se faz nosso alimento, dando-nos seu corpo e sangue. É a manifestação profunda do seu amor por nós, amor que foi até onde podia ir: "Como Ele amasse os seus amou-os até o fim". 

A Eucaristia é o amor maior, que se exprime mediante tríplice exigência: do sacrifício, da presença e da comunhão. O amor exige sacrifício e a Eucaristia significa e realiza o sacrifício da cruz na forma de ceia pascal. Nos sinais do pão e do vinho, Jesus se oferece como Cordeiro imolado que tira o pecado do mundo: "Ele tomou o pão, deu graças, partiu-o e distribuiu a eles dizendo: isto é o meu Corpo que é dado por vós.

Fazei isto em memória de ' mim. E depois de comer, fez o mesmo com o cálice dizendo: Este cálice é a nova aliança em meu sangue, que é derramado por vós" (Lc 22,19-20). Pão dado, sangue derramado pela redenção do mundo. Eis aí o sacrifício como exigência do amor.

O amor, além do sacrifício, exige presença. A Eucaristia é a presença real do Senhor que faz dos sacrários de nossas Igrejas centro da vida e da oração dos fiéis. 

A fé cristã vê no sacrário de nossas igrejas a morada do Senhor plantada ao lado da morada dos homens, não os deixando órfãos, fazendo-lhes companhia, partilhando com eles as alegrias e as tristezas da vida, ensinando-lhes o significado da verdadeira solidariedade: "Estarei ao lado de vocês como amigo todos os momentos da vida". Eis a presença, outra exigência do amor.

A Eucaristia, presença real do Amigo no tabernáculo de nossos templos, tem sido fonte da piedade popular como demonstra o hábito da visita ao Santíssimo e da adoração na Hora Santa. Impossível crer nessa presença e não acolhê-la nas situações concretas do dia-a-dia. 

Vida eucarística é vida solidária com os pobres e necessitados. Não posso esquecer a corajosa expressão de Madre Teresa de Calcutá que, com a autoridade do seu impressionante testemunho de dedicação aos mais abandonados da sociedade, dizia: "A hora santa diante da Eucaristia deve nos conduzir até a hora santa diante dos pobres. Nossa Eucaristia é incompleta se não levar-nos ao serviço dos pobres por amor."

O amor não só exige sacrifício e presença, mas exige também comunhão. Na intimidade do diálogo da última Ceia, Jesus orou com este sentimento de comunhão com o Pai e com os seus discípulos: "Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti... que eles estejam em nós" (Jo 17,20-21).

Jesus Eucarístico é o caminho que leva a esta comunhão ideal. Comer sua carne e beber seu sangue é identificar-se com Ele no modo de pensar, nos sentimentos e na conduta da vida. Todos que se identificam com Ele passam a ter a mesma identidade entre si: são chamados de irmãos seus e o são de verdade, não pelo sangue, mas pela fé. Eucaristia é vida partilhada com os irmãos. Eis a comunhão como exigência do amor.

Vida eucarística é amar como Jesus amou. Não é simplesmente amar na medida dos homens o que chamamos de filantropia. É amar na medida de Deus o que chamamos de caridade. A caridade nunca enxerga o outro na posição de inferioridade. É a capacidade de sair de si e colocar-se no lugar do outro com sentimento de compaixão, ou seja, de solidariedade com o sofrimento do outro. Caridade é ter com o outro uma relação de semelhança e reconhecer-se no lugar em que o outro se encontra...

Na morte redentora na cruz, Cristo realiza a suprema medida da caridade "dando sua vida" e amando seus inimigos no gesto do perdão: "Pai, perdoai-lhes pois eles não sabem o que fazem." A Eucaristia não deixa ficar esquecido no passado esse gesto, que é a prova maior do amor de Deus por nós. Para isso, deixa-nos o mandamento: "Façam isso em minha memória".

Caridade solidária é o gesto de descer até o necessitado para tirá-lo da sua miséria e trazê-lo de volta a sua dignidade. A Eucaristia é o gesto da caridade solidária de Deus pela humanidade. "Eu sou o Pão da vida que desceu do céu. Quem come deste Pão vencerá a morte e terá vida para sempre".

quarta-feira, 16 de março de 2016

Mensagem do Papa para a Quaresma: texto integral

1. Maria, ícone duma Igreja que evangeliza porque evangelizada 


Na Bula de proclamação do Jubileu, fiz o convite para que «a Quaresma 
deste Ano Jubilar seja vivida mais intensamente como tempo forte para 
celebrar e experimentar a misericórdia de Deus» (Misericordiӕ Vultus, 
17). Com o apelo à escuta da Palavra de Deus e à iniciativa «24 
horas para o Senhor», quis sublinhar a primazia da escuta orante da 
Palavra, especialmente a palavra profética. Com efeito, a misericórdia 
de Deus é um anúncio ao mundo; mas cada cristão é chamado a fazer 
pessoalmente experiência de tal anúncio. Por isso, no tempo da Quaresma, 
enviarei os Missionários da Misericórdia a fim de serem, para todos, 
um sinal concreto da proximidade e do perdão de Deus. 


Maria, por ter acolhido a Boa Notícia que Lhe fora dada pelo arcanjo 
Gabriel, canta profeticamente, no Magnificat, a misericórdia com que 
Deus A predestinou. Deste modo a Virgem de Nazaré, prometida 
esposa de José, torna-se o ícone perfeito da Igreja que evangeliza 
porque foi e continua a ser evangelizada por obra do Espírito Santo, 
que fecundou o seu ventre virginal. Com efeito, na tradição 
profética, a misericórdia aparece estreitamente ligada – mesmo 
etimologicamente – com as vísceras maternas (rahamim) e com 
uma bondade generosa, fiel e compassiva (hesed) que se vive no 
âmbito das relações conjugais e parentais. 


2. A aliança de Deus com os homens: uma história de misericórdia 


O mistério da misericórdia divina desvenda-se no decurso da história 
da aliança entre Deus e o seu povo Israel. Na realidade, Deus 
mostra-Se sempre rico de misericórdia, pronto em qualquer 
circunstância a derramar sobre o seu povo uma ternura e uma 
compaixão viscerais, sobretudo nos momentos mais dramáticos 
quando a infidelidade quebra o vínculo do Pacto e se requer que a 
aliança seja ratificada de maneira mais estável na justiça e na 
verdade. Encontramo-nos aqui perante um verdadeiro e próprio 
drama de amor, no qual Deus desempenha o papel de pai e 
marido traído, enquanto Israel desempenha o de filho/filha e 
esposa infiéis. São precisamente as imagens familiares – como no 
caso de Oseias (cf. Os 1-2) – que melhor exprimem até que ponto 
Deus quer ligar-Se ao seu povo. 


Este drama de amor alcança o seu ápice no Filho feito homem. 
N’Ele, Deus derrama a sua misericórdia sem limites até ao 
ponto de fazer d’Ele a Misericórdia encarnada (cf. Misericordiӕ 
Vultus, 8). Na realidade, Jesus de Nazaré enquanto homem é, 
para todos os efeitos, filho de Israel. E é-o ao ponto de encarnar 
aquela escuta perfeita de Deus que se exige a cada judeu pelo 
Shemà, fulcro ainda hoje da aliança de Deus com Israel: «Escuta, 
Israel! O Senhor é nosso Deus; o Senhor é único! Amarás o 
Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma 
e com todas as tuas forças» (Dt 6, 4-5). O Filho de Deus é o 
Esposo que tudo faz para ganhar o amor da sua Esposa, à qual 
O liga o seu amor incondicional que se torna visível nas núpcias 
eternas com ela. 


Este é o coração pulsante do querigma apostólico, no qual ocupa 
um lugar central e fundamental a misericórdia divina. Nele 
sobressai «a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em 
Jesus Cristo morto e ressuscitado» (Evangelii gaudium, 36), 
aquele primeiro anúncio que «sempre se tem de voltar a ouvir de 
diferentes maneiras e aquele que sempre se tem de voltar a 
anunciar, duma forma ou doutra, durante a catequese» (Ibid., 
164). Então a Misericórdia «exprime o comportamento de 
Deus para com o pecador, oferecendo-lhe uma nova 
possibilidade de se arrepender, converter e acreditar» 
(Misericordiӕ Vultus, 21), restabelecendo precisamente assim 
a relação com Ele. E, em Jesus crucificado, Deus chega ao 
ponto de querer alcançar o pecador no seu afastamento mais 
extremo, precisamente lá onde ele se perdeu e afastou d'Ele. 
E faz isto na esperança de assim poder finalmente comover o 
coração endurecido da sua Esposa. 


3. As obras de misericórdia 


A misericórdia de Deus transforma o coração do homem e 
faz-lhe experimentar um amor fiel, tornando-o assim, por 
sua vez, capaz de misericórdia. É um milagre sempre novo 
que a misericórdia divina possa irradiar-se na vida de cada 
um de nós, estimulando-nos ao amor do próximo e animando 
aquilo que a tradição da Igreja chama as obras de 
misericórdia corporal e espiritual. Estas recordam-nos que a 
nossa fé se traduz em actos concretos e quotidianos, destinados 
a ajudar o nosso próximo no corpo e no espírito e sobre 
os quais havemos de ser julgados: alimentá-lo, visitá-lo, 
confortá-lo, educá-lo. Por isso, expressei o desejo de que 
«o povo cristão reflicta, durante o Jubileu, sobre as obras de 
misericórdia corporal e espiritual. Será uma maneira de 
acordar a nossa consciência, muitas vezes adormecida perante 
o drama da pobreza, e de entrar cada vez mais no coração 
do Evangelho, onde os pobres são os privilegiados da 
misericórdia divina» (Ibid., 15). Realmente, no pobre, 
a carne de Cristo «torna-se de novo visível como corpo 
martirizado, chagado, flagelado, desnutrido, em fuga... a 
fim de ser reconhecido, tocado e assistido cuidadosamente
 por nós» (Ibid., 15). É o mistério inaudito e escandaloso 
do prolongamento na história do sofrimento do Cordeiro 
Inocente, sarça ardente de amor gratuito na presença da 
qual podemos apenas, como Moisés, tirar as sandálias 
(cf. Ex 3, 5); e mais ainda, quando o pobre é o irmão 
ou a irmã em Cristo que sofre por causa da sua fé. 


Diante deste amor forte como a morte (cf. Ct 8, 6), 
fica patente como o pobre mais miserável seja aquele 
que não aceita reconhecer-se como tal. Pensa que é rico, 
mas na realidade é o mais pobre dos pobres. E isto porque 
é escravo do pecado, que o leva a utilizar riqueza e poder, 
não para servir a Deus e aos outros, mas para sufocar em 
si mesmo a consciência profunda de ser, ele também, 
nada mais que um pobre mendigo. E quanto maior for o 
poder e a riqueza à sua disposição, tanto maior pode 
tornar-se esta cegueira mentirosa. Chega ao ponto de 
não querer ver sequer o pobre Lázaro que mendiga à 
porta da sua casa (cf. Lc 16, 20-21), sendo este figura de 
Cristo que, nos pobres, mendiga a nossa conversão. 
Lázaro é a possibilidade de conversão que Deus nos 
oferece e talvez não vejamos. E esta cegueira está 
acompanhada por um soberbo delírio de omnipotência, 
no qual ressoa sinistramente aquele demoníaco «sereis 
como Deus» (Gn 3, 5) que é a raiz de qualquer pecado. 
Tal delírio pode assumir também formas sociais e políticas, 
como mostraram os totalitarismos do século XX e mostram 
hoje as ideologias do pensamento único e da tecnociência 
que pretendem tornar Deus irrelevante e reduzir o homem 
a massa possível de instrumentalizar. E podem actualmente 
mostrá-lo também as estruturas de pecado ligadas a um 
modelo de falso desenvolvimento fundado na idolatria 
do dinheiro, que torna indiferentes ao destino dos pobres 
as pessoas e as sociedades mais ricas, que lhes fecham as 
portas recusando-se até mesmo a vê-los. 


Portanto a Quaresma deste Ano Jubilar é um tempo favorável 
para todos poderem, finalmente, sair da própria alienação 
existencial, graças à escuta da Palavra e às obras de misericórdia. 
Se, por meio das obras corporais, tocamos a carne de Cristo nos 
irmãos e irmãs necessitados de ser nutridos, vestidos, alojados, 
visitados, as obras espirituais tocam mais diretamente o nosso ser 
de pecadores: aconselhar, ensinar, perdoar, admoestar, rezar. 
Por isso, as obras corporais e as espirituais nunca devem ser 
separadas. Com efeito, é precisamente tocando, no miserável, 
a carne de Jesus crucificado que o pecador pode receber, 
em dom, a consciência de ser ele próprio um pobre mendigo. 
Por esta estrada, também os «soberbos», os «poderosos» e os 
«ricos», de que fala o Magnificat, têm a possibilidade de 
aperceber-se que são, imerecidamente, amados pelo Crucificado, 
morto e ressuscitado também por eles. Somente neste amor 
temos a resposta àquela sede de felicidade e amor infinitos que 
o homem se ilude de poder colmar mediante os ídolos do 
saber, do poder e do possuir. Mas permanece sempre o perigo 
de que os soberbos, os ricos e os poderosos – por causa de um 
fechamento cada vez mais hermético a Cristo, que, no pobre, 
continua a bater à porta do seu coração – acabem por se 
condenar precipitando-se eles mesmos naquele abismo eterno 
de solidão que é o inferno. Por isso, eis que ressoam de novo 
para eles, como para todos nós, as palavras veementes de 
Abraão: «Têm Moisés e o Profetas; que os oiçam!» (Lc 16, 
29). Esta escuta activa preparar-nos-á da melhor maneira 
para festejar a vitória definitiva sobre o pecado e a morte 
conquistada pelo Esposo já ressuscitado, que deseja 
purificar a sua prometida Esposa, na expectativa da sua vinda. 


Não percamos este tempo de Quaresma favorável à conversão! 
Pedimo-lo pela intercessão materna da Virgem Maria, a 
primeira que, diante da grandeza da misericórdia divina 
que Lhe foi concedida gratuitamente, reconheceu a sua 
pequenez (cf. Lc 1, 48), confessando-Se a humilde serva do 
Senhor (cf. Lc 1, 38). 


Vaticano, 4 de Outubro de 2015 


Festa de S. Francisco de Assis 



[Franciscus]